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Psicanálise: Qual é a Cura Possível?

A palavra cura é originária do latim, com o sentido primeiro de ‘cuidado’, ‘atenção’, ‘zelo’. Havia também o verbo curo, curare, de vasto emprego, significando 'cuidar de', 'dar atenção a', 'tratar’.[1]

A maioria das pessoas procura um psicólogo quando passa por momentos difíceis e não consegue superá-los solitariamente. Existem ainda os que procuram terapia para o autoconhecimento ou para algo que lhes pareça importante conseguir, a partir da experiência de uma terapia - “aumentar a autoestima”, “ser mais seguro”... expressões colhidas na mídia, que traduzem a justificativa para se procurar um psicólogo, não faltam. Outros vêm porque querem se curar de algo que mais lhes parece com uma doença: situações e comportamentos que se repetem, a despeito do sujeito definir para si que não quer mais tais repetições.

Em meio a tantas possibilidades de demanda, qual é o posicionamento de um psicanalista? A que ele se propõe?

Embora a Psicologia seja uma ciência, um psicólogo que trabalhe com a técnica psicanalítica não se norteia por generalizações e normatizações; sendo assim, não terá uma régua para medir seu paciente e classificá-lo como mais ou menos enquadrado em algum parâmetro. Desta maneira, o que regulará uma direção de tratamento será apenas o discurso do sujeito, com as notícias que trouxer de suas angústias, prazeres, afetações e toda a gama de emoções que o próprio sujeito conseguir nomear. Como na metáfora em que Freud compara o psicanalista com um pintor ou um escultor, aproximando-o mais deste último:

“[...] há entre a técnica sugestiva e a analítica a maior antítese possível, aquela que o grande Leonardo da Vinci resumiu em relação às artes nas fórmulas per via di porre, per via di levare. A pintura, diz Leonardo, trabalha per via di porre, pois deposita sobre a tela incolor partículas coloridas que antes não estavam ali; já a escultura, ao contrário, funciona per via di levare, pois retira da pedra tudo o que encobre a superfície da estátua nela contida.” (Freud, 1904/1989, p. 244)

O psicanalista não adiciona ao paciente nenhuma partícula, e sim auxilia, com seus questionamentos, à retirada dos excessos que surgem no discurso do paciente (muitas vezes, produções imaginárias), para que ele possa se reconhecer mais essencialmente. Não cabe ao psicanalista interferir com seus julgamentos, opiniões e desejos próprios, tampouco de um grupo que defina ideais adaptativos de uma cultura.

Do mesmo modo, o lugar de analista também implica em não responder às demandas de cura que lhe forem endereçadas, mantendo-se abstinente, como Freud propôs, referindo-se à frase inscrita em hospitais franceses: Je le pansai, Dieu le guérit. [pode ser traduzido como Eu lhe tratei, Deus o curou] (FREUD, 1912/2010, p. 116).

Algumas décadas depois, Lacan, no texto “Variantes do tratamento padrão” (1955/1998, p. 327), sublinha:

“Assim, se admite a cura como um benefício adicional do tratamento psicanalítico, ele se precavém contra qualquer abuso do desejo de curar, e o faz de maneira tão habitual que, ao simples fato de uma inovação motivar-se neste, inquieta-se em seu foro íntimo, ou reage no foro do grupo através da pergunta automática que desponta de um ‘será que isso ainda é psicanálise’?”

O psicanalista encontra-se distante do desejo de eliminar um sintoma; abstém-se, servindo-se da ética e das técnicas propostas pela Psicanálise, compreendendo que um sintoma “arrancado” ou “calado” aqui, pode despontar ali, logo adiante, deslizando a partir de um deslocamento. Por isso, o psicanalista é testemunha da relação do sujeito com seu sintoma, sem pretensão de ser o cirurgião que irá extirpá-lo. Ao contrário, dá atenção ao sintoma, um lugar para ele. Como testemunha, pode interrogar esta relação, cuidando para que seu paciente deixe de ser uma vítima do “acaso” de repetições indesejáveis para que seja o autor de sua história, ainda que esta história apresente sintomas como objetos cenográficos: como eles poderiam ornar suas cenas? É possível dispor dos objetos cenográficos em uma configuração mais favorável ao resultado final das cenas de sua história?

Assim, o sujeito pode passar a pensar em sua responsabilidade diante das coisas que lhe acontecem, questionando qual é a sua participação nelas, e portanto, se existem motivos ou funcionalidades para que aconteçam da maneira como acontecem - ou se poderiam ser alteradas. Uma vez que seus sintomas não lhe causem mais danos, ou seja, uma vez que eles possam compor satisfatoriamente com as cenas escritas por ele mesmo - como parceiros, e não como inimigos - o paciente poderá encerrar sua análise.

Este é um tema complexo, que não se esgota com este pequeno texto. Há várias maneiras de se pensar na riqueza de um processo psicanalítico, assim como a quê ele se destina! Para acrescentar com leveza, finalizo compartilhando essa simpática animação que também pretende falar, em sua linguagem, sobre um olhar possível para a Psicanálise.

 

Referências:

[1] 1. SARAIVA, F.R.S.- Novíssimo Dicionário latino-português, 10. ed., Rio de Janeiro, Livraria Garnier, 1993.

FREUD, S. (1904). Sobre psicoterapia. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud - Vol. 7. Rio de Janeiro: Imago, 1989, p 239-251.

______. (1912). Recomendações ao médico que pratica a psicanálise. In: Obras Completas de Sigmund Freud, 10. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p. 111-122.

LACAN, J. (1955). Variantes do tratamento padrão. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998, p. 325-365.

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